sexta-feira, 20 de maio de 2011


"Me falta imaginação - você me diz.
Não. Me falta a linguagem.
A linguagem para clarificar
minha resistência às letradas.
As palavras são uma guerra para mim.
Ameaçam minha família.

Para ganhar a palavra
para descrever a perda
tomo o risco de perder tudo.

Poderei criar um monstro
o corpo e a extensão da palavra
enchendo-se de cores e emocionante
ameaçando à minha mãe, caracterizada.
Sua voz na distância
analfabeta ininteligível
.
Estas são as palavras de um monstro"

-Cherríe Moraga, It's the Poverty (É a pobreza) de Loving in the War Years (Amando Durante os Anos de Guerra). Boston: South End Press, 1983.
"Você está bem. Você está empregada", Lorna Simpson.

Quando feministas tomam conta dos homens (versão corrigida)

12 de maio de 2006 por Heart.

Feministas tomam conta de homens (e em realidade, do mundo como foi criado e vislumbrado por estes):


1. Quando elas dão mais crédito ou dão mais valor para o que é falado por um feminista que nasceu homem do que o que é dito por uma feminista que nasceu mulher - assim como faz o patriarcado.

2. Quando questões específicas daquelas nascidas mulheres são de menor significância, preocupação ou importância do que as questões daqueles nascidos homens - assim como isso é verdadeiro para as instituições patriarcais;

3. Quando elas escolhem alianças com auto-identificados homnes feministas ou pró-feministas acima de alianças com mulheres feministas.

3. Quando elas falham em valorar, defender e proteger espaços reservados especialmente para a recuperação, contrução de comunidade e libertação daquelas nascidas mulheres e marginalizam mulheres dedicadas à isso.

5. Quando elas falham em distinguir entre essencialismo biológico e o processo contínuo de desvelamento, reflexão e interrogação sobre opressões únicas e específicas daquelas nascidas mulheres sob uma heterosupremacia masculina.

6. Quando elas marginalizam, silenciam ou atacam mulheres que devotam elas mesmas às questões e preocupações daquelas nascidas mulheres, assim como o patriarcado faz;

7. Quando elas defendem e protegem a produção de pornografia, a prostituição e o tráfico de mulheres (que aliás elas deverão chamar por outro nome, assim como o patriarcado costuma fazer).

8. Quando elas vêem as noções de sororidade e solidariedade entre mulheres como antiquadas, passadas e retrôs e não protegem e defendem as comunidades de mulheres, lésbicas em particular;

9. Quando elas participam da contínua omissão do "L" em "GLBT" (QDA).*

10. Quando elas não vêem qualquer problema com liderança masculina e/ou cooptação de organizações feministas, instituições, eventos e estudos e ignoram, silenciam e atacam mulheres feministas que se opôem à lideranças masculinas e envolvimentos masculinos.

11. Quando elas endossam e apoiam a suplantação dos programas, instituições e recursos de "Women's Studies" (Estudos Feministas) por programas instituições e recursos dos "Estudos de Gênero".

12. Quando elas falham em reconhecem e advogar vigorosamente por e por orientar jovens mulheres nascidas mulheres e ao invés disso encorajam e advogam aqueles nascidos homens. **

13. Quando elas minimizam a significância e importância do separatismo lésbico, separatismo do feminismo radical, e comunidades separatistas de mulheres em geral, sua importância para a libertação de mulheres, e ao invés disso participam em sua perseguição e eliminação.

14. Quando elas usam a expressão "... o que há entre suas pernas" de forma a minimizar ou eliminar a significância e sentido das experiências daquelas nascidas mulheres sob uma supremacia masculina.

***

15. Quando elas rejeitam, silenciam ou eliminam as vidas de feministas e mulheristas que são anciãs e falham em respeitar, honrar e defendê-las quando necessário; **** 16. Quando elas falham em reconhecer que mulheres são um povo colonizado;

17. Quando elas falham em investigam e iluminar os mecanismos, dinâmicas, e histórias da colonização física, emocional, espiritual e histórica e a subordinação daquelas nascidas mulheres por aqueles nascidos homens;

18. Quando elas desmerecem ou minimizam a importância da cultura de mulheres;

19. Quando elas participam de divisionismos entre mulheres feministas que são causadas de um modo permanente por auto-identificados homens feministas.

20. Quando elas são lesbofóbicas, separatistas fóbicas, e radfem fóbicas.

retirado de: http://womensspace.wordpress.com/2006/05/12/all-the-ways-feminists-take-care-of-men-1/


NOTAS:

* Não achei o significado de QDA, mas acredito que tenha alguma coisa haver com queer e essas siglas que pretensamente criticariam o imperialismo das políticas e identidades LGBTs, mas que não passam duma nova versão do imperialismo sexual.

** Como isso rooooola nos Estudos de Gênero! Essas carreiristas da academia amam homens. E daí justificam seu machismo usando Judith Butler ou Rubin pra dizer que gênero não existe e que isso não importa. Alguma semelhança com quem diz que quem fala em raça é racista quando acusam feministas de sexista?

*** Ou seja, essas charopadas do gênero que qualquer minuto que falarmos em mulheres vão falar que "não importa o que está entre suas pernas", ou que não é o que está entre as pernas que importa ou faz você mulher e etc, daí vão fazer suas oficinas com seus namorados sobre como não importa o gênero, argumento falacioso pra desmoralizar todo momento que feministas levantam uma discussão sobre nossas experiências no patriarcado com base nas novas retóricas e ilusões liberais.

**** Ou seja, as queerpomo que vem falar que as feministas radicais são um bando de velhas acabadas e que isso é antigo e fora de moda.

***** Comentários livres. :) Tradução refeita por conta duma versão nojenta de mal-feita e sem sentido que se encontra em http://hysterocracya.blogspot.com.

imagem acima: Barbara Kruger, "Nós não precisamos de mais um herói".

também dispenso os heróis ainda mais os que vem com o rótulo de libertários e anti-sexistas. :)


quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O Dilema do Homem Branco - A procura do que deve ser destruído - Maria Mies

Extraído do livro "Ecofeminismo" escrito por Vandana Shiva e Maria Mies, fala da relação entre impacto ambiental e a política sexual que vitimiza e extrai os corpos das mulheres, da relação entre consumo, corpo, impacto ambiental, e de como os novos movimentos de mulheres se organizam em torno da questão de meio ambiente, no caso abordado no ensaio, a catástrofe de Tchernobil.

Baixar em: http://www.scribd.com/doc/48940704/O-Dilema-do-Homem-Branco-A-procura-do-que-deve-ser-destruido-Maria-Mies

Manifesto do Rio Combahee - Uma Declaração Negra Feminista 1977 (espanhol)

baixar em : http://www.scribd.com/doc/48939718/manifiesto-rio-combahee-uma-declaracion-negra-feminista-1977

Clássico escrito de um coletivo de lésbicas negras feministas nos Estados Unidos nos anos 70. Dá uma definição do que sejam as políticas de identidade, fala da inseparabilidade dos aspectos de classe, raça, sexismo, homofobia na experiência das mulheres negras, e a dificuldade de auto-organização quando se encontram em contextos marcados por essas variáveis.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

morre heleieth saffiotti, o que isso significa?

signifca a morte sucessiva de feministas na academia, e da nossa memória. Saffiotti era uma das que ainda resistiam, feministas na academia, em tempos de ESTUDOS DE GÊNERO, que não quer dizer necessariamente ESTUDOS FEMINISTAS. Inclusive o termo gênero foi uma forma de fugir ao estigma de feminismo e de 'neutralizar' o feminismo na academia, processo que chegou a denunciar em seu livro "Gênero, Patriarcado e Violência".

O que a gente tem, cada vez mais, é a produção incessante de um blabalbla vazio pós-moderno e inócuo, maior parte baseado em pensadores masculinos como Foucault, Derrida, Deleuze... Excelentes, incluisve, pelas éticas que preconizam, a ajudar na implantação do projeto [neo]liberal.

Por que assistiu-se, no mundo todo, a um declínio dos Women Studies, ou Estudos Feministas, assim como dos espaços de mulheres? Este ano também morreu Mary Daly, feminista radical, autora de Gin/Ecology, livro base da filosofia feminista radical. Conhecida também, polemicamente, pela proibição de homens nas suas aulas, política também seguida por Sheila Jeffreys. No ELFLAC este ano conversando com algumas ativistas, a política 'oculta' de algumas ativistas é tentar afastar os homens das aulas pelo conteúdo, já que por exemplo algumas universidades como a universidade autônoma do México proíbe esse tipo de política.

Os estudos de gênero proliferam, e dão carreiras pra odiadores de mulheres enrustidos, assim como lésbicas não identificadas com mulheres, que adotam um discurso pós-identitário ou queer, que desloca a questão da identidade política pra um marco novamente sexológico e individual. A identidade política foi substituída pela performance, não obstante algumas boas análises e contribuições dessas autoras como Judith Butler, ao falar da ininteligibilidade e da exclusão do simbólico que são condições que subjetivam sujeitos também denominados por ela de 'corpos abjetos', recusados da humanidade, como trans, drag queens, lésbicas, gays, a comunidade denominada 'queer' em geral, ampliando nossa compreensão.
Heleieth, para escrever sobre a violência, se voltou para as teóricas que chamou de anglo-saxônicas, as feministas radicais norte-americanas e inglesas (hoje sendo a austrália a maior parte dessa produção), assim como as materialistas francesas, que superaram tanto os feminismos da igualdade quanto os da diferença. Podemos dizer que se voltou para autoras que tivessem um marco de análise estrutural (Patriarcado-Capitalismo) e materialista (relações sociais de sexo - termo utilizado pelas francesas, que não usavam o conceito de gênero e que inclusive resistiram a ele. Mathieu: 'não é o gênero que cria o sexo, é o sexo que cria o gênero'. Rubin diz que existe um sistema sexo-gênero, eterno, straussiano, que sempre se produzirá significações de gênero sobre o sexo, o sexo é biologia e o gênero é cultura, por causa do parentesco).


Os estudos de gênero se desenvolveram em cima das autoras do feminismo da diferença, mais ligado à linguagem, e maior parte não feministas, e sim filósofas da linguagem que escreviam sobre o feminino. Julia Kristeva (base de algumas noções da Judith Butler), Helene Cixous, Luce Irigaray, e algo da Teresa de Laurentis (sujeitos ex-êntricos), influenciada por essas autoras mas ainda mais feminista radical, que primeiramente cunhou o termo 'teoria queer', abandonando anos depois dizendo ter sido coptado pelo neoliberalismo.
Então, o que eu tenho a dizer:

não tem mais visão estrutural da questão do Patriarcado, a gente tem que buscar isso lá antes, nos 70, 80, houve uma reação contra os movimentos radicais com a onguificação, com a cooptação dos fundos pra mulheres. Lendo o debate entre algumas feministas após o último ELFLAC, se disse que a Heterosexualidade Compulsória, na sua clássica definição, como sendo a dependência dos recursos masculinos sejam simbólicos ou econômicos, nos força relações de submissão a suas instituições e cultura. Os espaços de mulheres são diluídos, os fundos impôem linhas políticas às organizações feministas na américa latina, que são obrigadas a se tornarem LGBT, já que o trabalho feminista vai CONRTA o patriarcado e o capitalismo, e não a seu favor, saneando esses sistemas, que é o porque das ONGS serem apoiadas pelos estados ou então pelos fundos para mulheres ou lgbt do 1o mundo. A idéia dos fundos com, por exemplo, a exigência de diluir a identidade e corpo denominado mulher, não seria tentar adaptar as organizações de mulheres à organizaçÕes LGBT? Eles conseguem ao transformar as organizações de mulheres, não as lésbicas, agentes do desenvolvimento. 'Direitos Sexuais e Reprodutivos'. E mandam incluir as trans na agenda feminista. As estudiosas de gênero falam: que ultrapassadas somos, mulher não existe, é um discurso. Somos nós, as feministas e as lésbicas políticas, biológicas ou essencialistas. Ou não aceitamos as diferenças entre estes sujeitos. Sim, no neoliberalismo, somos extremamente únicos, já que se preconiza o indivíduo, e não as comunidades e coletividades, nesta ideologia que se impôe à nós sem sabermos, não porque fomos convencidos, mas porque consumimos e vivemos nas relações produzidas economicamente, porque fomos forçados a reproduzir essa ideologia pra podermos sobreviver. Afinal, o sujeito se faz até certo ponto, e o modernismo vende a ilusão de que o sujeito se faz independente das forças históricas, econômicas, sociais e relacionais.

Os ativistas queer oferecem o discurso anti-identidade como forma de resistênca à esse processo estatal. As identidades seriam forma de controle político e social sobre as comunidades. Só se faz política pública definindo identidades e corpos a serem fiscalizados, tratados e nomeados, então definidos, quando eram dissidentes das definições. Boa análise, compartilho.

Porém, eu me pergunto até onde a partir desse novo marco, se radicalizaria, já que não prevêm resistência coletiva, e sim individual. É possível fazer performance, mas unificar-se não mais, somos extremamente fragmentadas pelas nossas diferenças, pelas intersecções de raça, classe, etnia, cultura, e construção de significados dos nossos corpos. Somos só um pacote diluído, sem memória e sem discurso, de siglas. A ''questão de gênero e sexualidade". Essa questão enigmática. As minorias sexuais. Autônomas e flutuantes no espaço, dizem não ter sido subjetivadas por nenhuma categoria social, meros efeitos de discurso, micro-politizadas.
(a melhorar, isto é um rascunho pra não perder o momento já que escrevo minha monografia neste momento).

domingo, 29 de agosto de 2010

Lésbicas, Subjetividade e Patriarcado

foto: Alex Brew

Me proponho a levantar aqui algumas questões de como podemos olhar pra questão da subjetivação das lésbicas num mundo onde o sexismo é constitutivo da estrutura social, e onde a Heterosexualidade se apresenta como organização social da sexualidade que favorece o Poder Masculino e o Capitalismo. Assim sendo, proponho também olharmos para as vidas lésbicas como resistência coletiva à submissão aos homens como classe empoderada nessa organização social sexista, e que vejamos que aquilo que move as atitudes e ações e a presença de uma forte campanha pela eliminação das representações da vida lésbica e censura das expressões de afetividade entre mulheres, com consecutiva perseguição e destruição das memórias e narrativas lésbicas e condenação à clandestinidade à vida de muitas como possuindo motivações políticas, no estabelecimento de um regime de gênero e sexualidade que é importante para o funcionamento adequado do Capitalismo, Imperialismo e da continuidade da colonização e dominação branca.

Quais os impactos de uma sociedade de dominância masculina e seus paradigmas na exclusão da visibilidade e vivências lésbicas, assim como na produção de sua existência? De que forma essa invisibilidade e a hegemonia dos discursos da heterosexualidade, que a definem como modelo ideal de existência, afetam as vivências que não se conformam à ela, e de que forma esses discursos atuam como dispositivos de exclusão e de eliminação dessas mesmas vidas, resultando em uma condição de vulnerabilidade?

Sendo a invisibilidade e o repúdio social as condições marjoritárias que subjetivam estes sujeitos, como a hegemonia patriarcal resultaria em vulnerabilidade psíquica para esta população? Como entender essa vulnerabilização para além do marco biológico?

Defendo que precisamos olhar para essa questão de forma política, e que as lésbicas vivem uma condição política, na medida em que seu modo de vida representa um “ataque direto ao direito masculino de acesso às mulheres” (RICH, 1980), uma definição que abrevia em muito o que podemos entender como sendo o Patriarcado. Isso torna necessário entender as condições em que lésbicas vivem politicamente, o que permite sair dos limites impostos pela perspectiva biológica em Saúde Mental.

A divergência da norma heterosexual é a característica que certamente une essa população, muito mais do que convencionalmente se designa por orientação sexual. As violências e outras sanções à que lésbicas estão expostas revelam que a Heterosexualidade é socialmente instituída, e imposta às mulheres. Essa noção foi desenvolvida por Adrienne Rich em seu artigo “Compulsory Heterosexuality and Lesbian Existence”, de 1980, segundo a qual esta representaria não uma prática sexual ou uma orientação nem um fato natural, mas uma instituição, fundada pelos interesses e prerrogativas masculinas, visando garantir o “direito dos homens ao acesso físico, econômico e emocional às mulheres.” (RICH, 1980)

A lésbica é alguém que escapa às definições prescritas à categoria mulher pela Supremacia Masculina, ou seja como diz Monique Wittig (1970): ” não é uma mulher, nem economicamente, nem politicamente, nem ideologicamente.(...) Somos fugitivas de nossa classe, da mesma maneira que os escravos americanos fugitivos o eram quando se escapavam da escravidão para se tornarem livres”. O que caracteriza ser mulher, para Wittig, é pertencer a uma categoria que se torna propriedade coletiva dos homens: “Pois o que faz uma mulher é uma relação social específica com um homem, uma relação que chamamos servidão, uma relação que implica uma obrigação pessoal e física e também econômica (“residência obrigatória”, trabalhos domésticos, deveres conjugais, produção ilimitada de filhos, etc.), uma relação a qual as lésbicas escapam quando rejeitam tornar-se o seguir sendo heterossexuais.”

O objetivo das sanções impostas à lésbicas é forçar a participação do coletivo de todas as mulheres (independente de se denominarem ou se engajarem em vínculos significativos com mulheres ou não) na Heterosexualidade Compulsória, na vida econômica patriarcal, no casamento e principalmente nas instituições masculinas, punindo com morte as vidas que não são úteis para esses fins. “A heterosexualidade das mulheres pode não ser uma “preferência’ mas algo que teve que ser imposto, manejado, organizado, propagandizado e mantido”. (RICH)

A Heterosexualidade Compulsória pode ser compreendida como algo que integra a política sexual (MILLET, 1970), ou a economia política do sexo, como define Gayle Rubin, um sistema em que mulheres são objetos de trocas sociais, e portanto, estando na condição de serem circuladas, não poderiam jamais receber os benefícios de sua própria circulação. (RUBIN, 1976)

Uma das maneiras principais da heterosexualidade compulsória lograr sua predominância é também segundo Adrienne Rich tornar invisível a possibilidade lésbica, ou distorcer as opções possíveis de vida à todas as demais mulheres. Isso se torna algo importante quando pensamos a invisibilidade, e a subjetivação das lésbicas num mundo onde estas não se vêem. Também, a sabotagem às lésbicas visa a sabotagem de qualquer vínculo entre mulheres, que poderia vir a configurar um campo de resistência, ou a possibilidade de mulheres independente de serem lésbicas ou não, fundarem suas próprias instituições e Cultura. Com esses esforços, ser uma lésbica se torna uma ‘escolha’ tornada arriscada.

Rich cita algumas formas pelas quais essa dominação se mantém: clitorectomia, pena de morte ao adultério feminino, imagens na mídia e na literatura que distorcem as funções vitais das mulheres, violência sexual, prostituição, romantização e idealização das relações heterosexuais na literatura, novelas, propagandas, "a habilidade dos homens de negar a sexualidade das mulheres ou de forçarem a sua sobre os corpos das mulheres; comandar ou explorar seu trabalho para controle e produção; controlar ou extrair as crianças das mulheres; confiná-las fisicamente e constranger seu movimento; usá-las como objetos de transações masculinas; impedir sua criatividade; ou manter fora de acesso delas largas áreas do conhecimento social e das realizações culturais.”

Citando Catherine MacKinnon, Adrienne Rich também argumenta que forçar a heterosexualidade, seu comportamento (relativo à gênero e sexualidade) e as sanções econômicas que sempre esperam àqueles que transgridem à essas expectativas são também uma forma de integrar mulheres no mercado capitalista. Tanto mulheres quanto lésbicas precisam se apresentar adequadamente feminilizadas para uma entrevista ou na manutenção de um emprego. Demissões de lésbicas, formais ou informais, também são constantes. Tanto isso quanto os abusos verbais frequentemente recebidos por muitas mulheres na rua nos dizem que mulheres precisam mostrar estar sob direito de acesso masculino, e também que somente sob o casamento – ou a propriedade exclusiva de um homem – uma mulher estaria protegida.

Além disso, Heterosexualidade Obrigatória acaba por criar uma condição de identificação com os recursos, instituições, valores, cultura e designações masculinos, como uma forma de sobrevivência. A Masculinidade, ou aquilo que é reconhecido tanto por ela, quanto pela Dominância Masculina - a feminilidade, os papéis de gênero, os binários hierárquicos de passividade e atividade, um parceiro sexual, amizade ou outro tipo de aliança masculina - é como uma moeda de maior valor em circulação, ao qual todos sujeitos sob um Patriarcado preferem vincular. O des-empoderamento das mulheres no contexto de uma sociedade heterosexista e anti-mulher, assim como o desprezo e desvalorização do que é designado feminino, faz com que muito do movimento visando o reconhecimento no universo dos signos da masculinidade seja uma busca de sobrevivência, pertinência social, aceitação, valoração. Isso é um movimento que não ocorre somente com as mulheres que escolhem um homem à uma mulher, mas também com lésbicas cujo ódio lesbofóbico internalizado pode muito bem ser lido como ligado também à misoginia social, ou que reproduzem a heteronormatividade em seus relacionamentos. Assim, a existência de uma supremacia masculina também afeta a existência e a visibilidade das lésbicas, que precisam então tanto passar-se como heterosexuais, esconder ou silenciar sua orientação sexual, fugir do estigma de uma identidade não-heterosexual, ou simplesmente negando tal identidade.

Uma expressão da Heterosexualidade Compulsória também é a reivindicação por assimilação neste mesmo sistema cultural e econômico. Muitas vezes a saída para a exclusão e estigmatização é o desejo de acessar as instituições que garantem pertencimento à heterosexualidade, como se esta se confundisse com a própria definição de espaço público e democrático. As saídas que se buscam são muitas vezes as de se integrar ao sistema heterosexual como ele é, como realmente universal e paradigmático. Essas demandas surgem do sentimento de alienação impostos pela mesma heterosexualidade hegemônica, tal como tentativas de redimição.


Susan Hawthorne em um artigo intitulado “Ancient Hatred and Its Contemporary Manifestation: The Torture of Lesbians” (2006) classifica essas violências como uma situação de perseguição e tortura internacional contra lésbicas, e diz: as lésbicas são uma população diaspórica. Impulsionadas por desejo de aceitação, de um lugar ou de encontrar um pertencimento, assim como outras lésbicas, lésbicas migram. Saem de suas cidades natais, de seus países, pra poderem viver suas identidades. Ainda diz:

“A existência lésbica resiste ao nacionalismo. O que poderia significar para uma lésbica ser patriota? (Hawthorne, 2006) Para esta autora, as imigrações podem ser entendidas como um exílio político. Podemos entender os deslocamentos de lésbicas como motivados pelo sentimento de exclusão e pela busca de um lugar de aceitação e pertença, muitas vezes não vividos em suas famílias, comunidades, escolas e outros lugares de origens. Lésbicas muitas vezes vivem um sentimento de alienação em relação ao mundo e à linguagem, carecendo de espaços simbólicos próprios e referenciais onde se reconhecer e encontrar um lugar seu , e até mesmo por meio dos quais poderiam nomear suas existências.

As lésbicas são uma população não somente fugitiva, mas desleais à cultura. As mulheres são um povo colonizado. Diz Sarah Lucia Hoagland em Lesbian Ethics: “os corpos das mulheres são simbolicamente como as terras tomadas, ocupadas e devastadas, o que se faz através da pornografia, da violência sexual coletiva (...), da publicidade que nos usa pra vender produtos, e outros meios, são como uma campanha permanente que afirma ideologicamente os corpos das mulheres como domínios dos homens. (...). Nossos esforços para caber na feminilidade, comprando cosméticos e realizando cirurgias plásticas, consumindo as informações das revistas “femininas”, mostra que mulheres como um povo colonizado integra parte dos esforços para manterem-se como colônias e colonizadas dos homens.”

Hawthorne reforça:

“...você sabe, quando os colonizadores primeiramente entram em um território, eles despossessam as pessoas não apenas de suas terras, mas também de suas culturas” (2006). Isso classificaria a condição feminina em geral. Matar, violar, destruir e queimar, os corpos (como na caça às bruxas durante a era Inquisitorial) e as produções das mulheres ou sua transgressão dos papéis esperados para um colonizado, foram as maneiras de assim, negar sua existência e destruir sua memória e direito a uma subjetividade. Essa campanha anti-mulher e pelo extermínio das lésbicas continua por meio dos já citados meios através dos quais a Heterosexualidade Compulsória garante sua permanência, eficácia e sua legitimação ideológica.

Portanto, compreender a Heterosexualidade Compulsória como um aspecto central pra opressão das lésbicas, e então isso como central na experiência subjetiva destes sujeitos no mundo existente, permite olhar de outra forma o sofrimento psíquico e as expressões de mal-estar que se apresentam nesta população, invertendo a possibilidade de patologizar a sexualidade não-heterosexual como foi sendo feito na literatura médica de forma a naturalizar a monogamia, a vida familiar e a divisão sexual do trabalho, discurso que hoje foi substituído pelo discurso sexológico-individual. Para além de sua naturalização como grupo específico – seja pelo discurso médico ou pelo sexológico – apresenta-se o caráter político das consequências do rechaço social lesbofóbico, e assim re-pensamos o projeto social presente. Temos que ter em conta esses e outros fatores constitutivos do Poder masculino pra analisar os contextos de vida das mulheres lésbicas e seus impactos na saúde mental das mesmas. Pois como escreve Adrienne Rich: “A incapacidade em examinar a heterosexualidade como uma instituição é como incapacidade em admitir que o sistema econômico nomeado capitalismo ou o sistema de castas do racismo é mantido por um conjunto de forças que inclui tanto violência física quanto falsa consciência”.



Referências:

RICH, Adrienne. Compulsory Heterosexuality and Lesbian Existence, 1980. Acessível em: http://www.terry.uga.edu/~dawndba/4500compulsoryhet.htm [TRADUZIDO EM: http://www.cchla.ufrn.br/bagoas/v04n05art01_rich.pdf].

WITTIG, Monique. Ninguém nasce mulher. 1980. Acessível em: http://mulheresrebeldes.blogspot.com/2009/04/ninguem-nasce-mulher.html

MILLET, Kate. Política Sexual. Lisboa; Dom Quixote,1970.

RUBIN, Gayle: Traffic in Women: notes for a political economy of sex. IN: Retter, Rayna R. Towards an antroplogy of women. New York; Monthly Review Press, 1975.

MAKINNON, Catherine. Sexual Harassment of Working Women: A Case of Sex Discrimination (New Haven, Conn.: Yale University Press, 1979). In RICH, Adrienne. Compulsory Heterosexuality and Lesbian Existence, 1980.

HAWTHORNE, Susan. Ancient Hatred and it’s Contemporary Manifestations: The Torture of Lesbian. The Journal of Hate Studies, Vol. 4, No. 1: 33-58. Disponível em: http://guweb2.gonzaga.edu/againsthate/Journal4/04AncientHatred.pdf

HOAGLAND, Sarah L. Lesbian Ethics: Toward New Values. Pg. 26 à 39. California: Institute Of Lesbian Studies, 1992.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Lésbicas e Aborto: Qual nossa relação com a questão?

Lésbicas e Aborto: Qual nossa relação com a questão? Por que lesbianas deveriam lutar pelo direito de aborto, direitos reprodutivos? A lesbiana não é concebida justamente como a mulher que radicalmente se opôs à subordinação ao homem, à maternidade e até mesmo à própria categoria mulher?


Podemos começar pensando na noção das feministas de “Heterossexualidade Compulsória”, que designa a presunção da heterossexualidade como hegemonia ideológica no Patriarcado. Frequentemente imaginamos que estamos livres em nossas vidas pessoais como lésbicas, até a hora em que o sistema todo que nos hostiliza diariamente bate à nossa porta. Não estamos nós lesbianas livres do sistema de reprodução, por mais que sejamos lésbicas individualmente ou em nossa comunidade. As pressões para a heterossexualidade permanecem, nos forçando a exercer seus paradigmas no âmbito cultural, nas nossas camas, na linguagem e nos comportamentos que reproduzem os binários hierárquicos e rígidos de gêneros homem-mulher, reproduzindo os sistemas de valores supremacistas masculinos e hetero-patriarcais. Para além disso, as forças dessa mesma Heterossexualidade Compulsória agem por meios institucionais e por violências invisíveis: exclusão social, demissões de lésbicas e homossexuais, restrição de campos de trabalho públicos a transexuais, a propagação de uma idéia de bissexualidade como destino de toda sexualidade lésbica, expressa como uma inadaptação patológica ou temporária ao modelo falocêntrico de sexualidade que se presume ser o correto e natural. Nos sistemas de Saúde, vemos a predominância de uma concepção de saúde da Mulher focada em Direitos Sexuais e Reprodutivos, que visa fiscalização de suas funções como reprodutora e mãe, além de regular o acesso sexual de homens a mulheres, ‘curando’ seus problemas de frigidez, suas dificuldades sexuais e doenças geradas pelo modelo de sexualidade falocêntrico que apenas favorece o homem. Toda ginecologia veio sendo exercida para regular as falhas da prática sexual centrada no intercurso, simbologia importante ao patriarcado por significar apaziguamento e união das classes sexuais que vivem em desigualdade.

Segundo o documento Dossiê da Saúde da Mulher Lésbica, da Rede Feminista de Saúde, lésbicas também estão correndo risco de exposição à gravidez. De acordo com o relatório, apenas 23,4% das mulheres lésbicas tiveram sexo exclusivamente com mulheres em suas vidas e 36,6% relatam parceiros sexuais masculinos nos últimos 3 anos. Na revista virtual XXY, em 2009, foi veiculada a notícia de que lésbicas possuem maior probabilidade de engravidar em relação à suas colegas heterossexuais, que fazem uso de proteções. Isso pode ser lido de muitas formas; uma delas é a de que a identidade lésbica não se resume à prática sexual, mas a toda uma construção pessoal em relação com as instituições e mundo que nos cerca. A invisibilidade lésbica veio sendo a forma mais efetiva do Patriarcado esconder nossas opções de rebeldia, e de invisibilizar lésbicas assim também escondendo de outras lésbicas a possibilidade de reconhecimento de si mesmas. Muitas mulheres vivem durante anos com homens antes de saberem-se lésbicas. A repressão da sexualidade das mulheres também cumpre um grande papel ao vetar a estas o autoconhecimento, já que sexualidade representa um lócus de resistência por estar ligado à vida e aos seus próprios desejos, que nem sempre convergem com os desejos dos projetos colocados para nós pelo capitalismo e expectativas de uma vida produtiva. Os encontros heterossexuais também são mais favorecidos que os encontros lésbicos, que são vividos tantas vezes de forma clandestina. Por questões de clandestinidade, exclusão, não-aceitação familiar, dificuldades de apoio social, estigmatização, preconceito e conflitos subjetivos derivados daí, não são também poucas as lésbicas que vivem com sentimentos de auto-ódio e baixa auto-estima, que detestam a si mesmas por gerarem ‘tantos problemas’ para si e os demais, e que desejam a todo custo se encaixar na vida heterossexual – se casando, fazendo terapias com profissionais irresponsáveis, se expondo a um ato sexual que não desejam ou usando isso como uma das diversas formas de auto-agressão.

Assim, nosso conceito de Saúde não abrange toda população, e aqui nem foi sequer falado das mulheres negras, índias, do campo e trabalhadoras. Não leva em conta a integralidade corpo-e-mente e ainda se calca num modelo biologista, que não enxerga tais dados como indicativos das condições em que vivemos socialmente. Não leva em conta todas as vicissitudes em que vivem as lesbianas, e as expõe ao desamparo assistencial. Não são raras as lesbianas que nunca foram a ginecologistas, outras que relatam experiências de discriminação com profissionais e as que pensam que “nunca vão precisar” de uma consulta ginecológica e que não pegam DSTs e AIDS. Essa idéia reproduz a idéia patriarcal de que a relação entre mulheres não existe, e que estas são um grupo seleto que nunca terá relações com homens.

A Lesbianidade não é uma questão genética para as feministas lésbicas, mas sim uma questão política e, mais além, uma questão ética. Escolher uma mulher para destinar suas energias emocionais e construir projeto de vida representa um sério risco ao Patriarcado hegemônico, e todas as formas de violência e exclusão que estas vivenciam devem ser compreendidas como perseguição a essa classe de mulheres que, como diz Monique Wittig, “tal qual os escravos americanos são fugitivas para tornarem-se livres”. São boicotes ao sistema Patriarcal e àqueles que de alguma forma deste se privilegiam – mesmo que secundariamente – para eliminar o reconhecimento de um movimento de não-conformidade. As lesbianas representam uma idéia perigosa. Precisamos entender os dados de Saúde das populações como expressões de insatisfação e de inadequação, e também como intentos de eliminação de pessoas que possam subverter a ordem hetero-fascista posta. Precisamos nós lesbianas parar de reproduzir o lugar tradicional da feminilidade vitimizada, não arriscada e silenciosa – quando o fazemos cedemos à progressiva invisibilização da nossa gente.

FONTES:
Dossiê Saúde das Mulheres Lésbicas, Rede Feminista de Saúde março de 2006, Belo Horizonte-MG.
WITTIG, Monique; Ninguém Nasce Mulher; The Straight Mind and Other Essays, 1992.
RICH, Adrienne; Compulsory Heterosexuality and Lesbian Existence, 1980. EUA.
CLARKE, Cheryl; Lesbianismo, um ato de resistência. IN Esta Puente, mi espalda – Voces de las tercermundistas en los Estados Unidos, MORAGA, Cherríe&Castillo, Ana;, ISM Press, São Francisco-USA, 1988.
CURIEL, Ochy; Pensando o Lesbianismo Feminista, entrevista com Ochy Curiel, Instituto Humanitas Unisinos, 2006.
Jeffreys, Sheila; Lesbian Heresy, Sinifex Express; Melborne-Australia; 1993.

texto escrito para a revista lésbica Visibiles, de Lima-PERU. Versão adaptada para o espanhol em http://issuu.com/visibles/docs/final_visibles2